Levou um ano e meio para que esse aperto de mãos acontecesse, mas na próxima quinta-feira (9/6) o ato deve se concretizar: o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o líder americano Joe Biden se falarão pela primeira vez, em Los Angeles, Califórnia.
Os líderes devem discutir como lidar com a escassez de alimentos e com a inflação de combustíveis decorrentes em parte da Guerra na Ucrânia, planejar como otimizar cadeias produtivas no continente e garantir suprimento de minérios, comentar aspectos da democracia nos dois países e trocar informações sobre pautas de meio ambiente.
A expectativa da diplomacia de ambos os países é que o clima da conversa seja amistoso, sem caneladas ou indiretas espinhosas.
Encerrar congelamento
O encontro, pré-condição para que Bolsonaro comparecesse à Cúpula das Américas, organizada pelos americanos, deve encerrar simbolicamente o que o presidente brasileiro qualificou como um "congelamento" das relações entre os dois maiores países das Américas desde que Biden chegou ao poder, em janeiro de 2021.
"Ele (Biden) enviou uma pessoa especialmente pra conversar comigo e ali eu botei as cartas na mesa, eu falei da mudança do comportamento dos EUA com o Brasil quando o Biden assumiu. Com o Trump estava indo muito bem, tínhamos muitas coisas combinadas para fazer no Brasil.Quando entrou o Biden, simplesmente houve um congelamento. Da minha parte, não mudei minha política com eles", disse recentemente Bolsonaro.
Afinal, o que ambos dirão no encontro?
Os diplomatas brasileiros também afirmam que os dois presidentes têm uma longa lista de assuntos a tratar e que assuntos espinhosos não necessariamente devem ser priorizados.
"São temas que incluem tudo, desde comércio e investimentos, até cooperação em ciência e tecnologia no Espaço, passando por operação em defesa, em saúde, e nossa cooperação nos foros regionais e multilaterais", disse à BBC News Brasil o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Américas do Itamaraty.
Do lado americano, o entendimento é que a conversa, que deve durar entre 20 e 30 minutos, é uma possibilidade de estabelecer pontes e não de repetir críticas já amplamente veiculadas, como a preocupação com as ameaças à democracia brasileira.
Diplomatas americanos dizem que as repetidas manifestações de confiança no processo eleitoral e desejo de eleições limpas e justas, como na entrevista dada à BBC News Brasil pela subsecretaria de Estado Victoria Nuland, devem liberar Biden da necessidade de comentários mais duros.
Os americanos, no entanto, dizem conhecer o estilo de Bolsonaro e sabem "que as coisas podem dar errado".
Às vésperas de seu embarque para Los Angeles, nesta terça (7/6), Bolsonaro voltou a fazer comentários sobre a possibilidade de fraude no pleito americano de 2020. "Quem diz (sobre fraude nas eleições dos EUA) é o povo americano. Eu não vou entrar em detalhe na soberania de um outro país. Agora, o Trump estava muito bem e muita coisa chegou para a gente que a gente fica com o pé atrás. A gente não quer que aconteça isso no Brasil", afirmou Bolsonaro em entrevista ao SBT.
É improvável que seja feito qualquer anúncio mais substancioso de acordos ou parcerias, segundo as fontes ouvidas pela reportagem.
Em abril deste ano, Biden chegou a dizer que os americanos deveriam pagar aos brasileiros pela conservação da Amazônia - uma ideia que ele já havia mencionado durante a campanha presidencial de 2020, mas a diplomacia americana nega que qualquer proposta desse escopo, especialmente envolvendo valores, esteja na mesa.
O governo Biden tem repetido publicamente elogios às metas de combate ao desmatamento e redução de gases poluentes firmadas pelo Brasil na COP-26, no ano passado, embora afirmem não ver ainda ações práticas do governo brasileiro para alcançá-las.
Amazônia
O tema da Amazônia, no entanto, pode ser trazido à tona de maneira mais tensa por causa do desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira no Vale do Javari (AM) esta semana.
A Líder da Articulação para os Povos Indígenas do Brasil Sônia Guajajara chamou a atenção para o assunto do enviado especial climático de Biden, John Kerry, que participa da Cúpula. Kerry afirmou querer acompanhar de perto os desdobramentos do caso, sem solução até o momento.
Na noite desta terça, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, Gregory Meeks, divulgou comunicado em que pedia "ações rápidas" às autoridades na busca pelos desaparecidos.
Celeiro do mundo
Já Bolsonaro deve repetir a importância do Brasil como espécie de celeiro do mundo, tema que tem ganhado relevância nos EUA diante da crise global de falta de alimentos impulsionado pela guerra da Ucrânia. Sozinhas, Rússia e Ucrânia respondem por 30% de todo o trigo consumido no mundo.
Os EUA já expressaram interesse que o Brasil aumente ao máximo sua safra, um pedido difícil de atender frente à escassez de fertilizantes, importado sobretudo da Rússia. Para o ex-embaixador dos EUA no Brasil Thomas Shannon, esse deveria ser um ponto de especial atenção.
"Não sei se haveria muito o que poderíamos fazer em relação à produção de fertilizante no curto prazo. Mas seria possível que os americanos liderassem um esforço do continente americano para juntos combater o problema de escassez de alimentos e estabilizar os preços. Isso é algo que poderia ser feito juntos", afirma Shannon.
Atualmente, os americanos já não impõem sanções sobre fertilizantes e tem tentado cooperações técnicas que possam aumentar a eficiência no uso dos produtos na lavoura e estimulado sua produção doméstica do material.
Mas no Agronegócio brasileiro tais medidas são vistas como pouco eficientes para resolver o problema no curto prazo. O Brasil advoga que EUA e Europa revejam e eliminem qualquer efeito nocivo de sanções no processo logístico de envio, via navio, dos fertilizantes ao Brasil.
Imigração
No tema da migração, Biden deve elogiar o fato de o Brasil ter disponibilizado vistos humanitários para cidadãos da Ucrânia, do Afeganistão e da Síria, em guerra, e da Venezuela e do Haiti, países em calamidade social. Além disso, recentes cooperações de inteligência entre os dois países resultaram em desmantelamento de redes de tráfico humano.
Para o Brasil, no entanto, a agenda prioritária no tema seria um tratamento mais humano aos brasileiros indocumentados deportados do país, que costumam ser transportados com algemas e relatam maus-tratos e humilhações enquanto detidos pelo sistema de migração americano. Avanços nesses quesitos, no entanto, não parecem prováveis.
A questão da produção de minérios deve ser outro tema tratado no encontro. Os americanos têm buscado meios de fortalecer cadeias produtivas chamadas de "near shoring", ou desglobalizar a produção. Essa é uma resposta a crises disruptivas da economia trazidas pela pandemia, que implicou em escassez de uma gama de produtos, de máscaras hospitalares a chips de computador.
É possível que o presidente Bolsonaro tente convencer Biden a retirar tarifas sobre chapas de aço produzidas no Brasil, uma medida protecionista imposta na gestão Trump que dificulta a exportação entre os países. A falta do material prejudica a indústria americana. Atualmente, a grande beneficiária da medida imposta contra o Brasil é justamente a Rússia, que também produz esse tipo de chapas.
Há ainda expectativa de que o presidente brasileiro evite polêmicas no tema e se abstenha de citar, por exemplo, sua defesa à exploração de minérios em terras indígenas.
Com infomação da BBC News
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