O Mercosul cresceu. Na cúpula do bloco realizada nesta segunda-feira (8), em Assunção, a Bolívia entregou seu documento de ratificação e será confirmada como novo membro em 30 dias.
Foto: Rodrigo Urzagasti/AFP
Mas a festa foi azedada por dois fatores. O Mercosul está em uma crise grave: seu segundo maior país — a Argentina — ameaça deixá-lo. O presidente Javier Milei, que na campanha prometeu retirar seu país do bloco, nem foi à cúpula em Assunção.
Na Bolívia, a situação não é das melhores. A esquerda local, que prioriza a integração sul-americana, está rachada por uma disputa entre o atual presidente, Luis Arce, e o ex-presidente Evo Morales. E o país acabou de enfrentar uma tentativa fracassada de golpe.
Mesmo assim, a adesão da Bolívia recebeu palavras de otimismo em Assunção. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a entrada do país era um passo importante para que o Mercosul seja "um bloco econômico forte" e aproveite seu "potencial extraordinário".
Entre os bolivianos, também há esperança que a adesão abra caminho para mais investimentos — imprescindíveis diante da queda de receitas do gás natural, que irrigaram a economia do país por duas décadas — e desestimule novas tentativas de golpe.
O que muda para a Bolívia
A adesão aprofunda a integração com os outros quatro membros do bloco: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A Bolívia passa a fazer parte dos trata os e protocolos que regulam, por exemplo, a solução de controvérsias e a proteção dos direitos humanos.
Um desses documentos é o Protocolo de Ushuaia, que estabelece que os países membros que desrespeitarem as regras democráticas serão suspensos. É o caso da Venezuela, que aderiu ao Mercosul em 2012 e foi suspensa em 2017.
A Bolívia terá quatro anos para adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, que iguala as tarifas de importação dos países do bloco em relação a produtos e serviços importados de países de fora — hoje na prática retalhada por exceções
Comércio e lítio
A Bolívia tem uma pauta de exportação pouco diversificada. Em 2023, o item mais vendido o Brasil foram combustíveis básicos, como o gás natural, que representou 87% do total. Em contrapartida, o item mais comprado pela Bolívia do Brasil foram insumos industriais elaborados (42% do total) e bens de capital (16%).
A economista Lia Valls, professora da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre, afirma à DW que o perfil de comércio não deve mudar no curto prazo, e lembra que a Bolívia já tinha um acordo de livre comércio com o Mercosul.
O grande projeto atual da Bolívia é aproveitar melhor o valor de suas grandes reservas de lítio, essencial para as baterias elétrica. O país já tem acordos com a China e a Rússia para a exploração do mineral, e espera que a adesão ao Mercosul também atraia investimentos brasileiros.
Esse foi um dos pontos mencionados por Lula na segunda-feira em Assunção: "Somos ricos em recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata. Temos tudo para nos tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis solares. Podemos formar uma aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do processamento desses recursos fiquem em nossos países."
Valls concorda que a transição energética traz uma nova oportunidade para a integração do Mercosul, mas considera "pouco provável" que isso se reverta em resultados concretos, devido à escassez de verbas para investimento.
Gás natural e transportes
Nas últimas décadas, a relação comercial entre Brasil e Bolívia foi dominada pela importação de gás natural. O gasoduto entre os dois países, com 3.150 quilômetros de extensão, começou a operar em 1999, e no início dos anos 2010 respondia por cerca de um terço do fornecimento de gás dos consumidores brasileiros.
No entanto, a queda de investimentos no setor e o esgotamento das reservas conhecidas de gás levaram a um declínio da produção a partir de 2014, que em 2023 "tocou o fundo", segundo o presidente Arce. A falta da renda do gás afetou a economia do país e os programas sociais de combate à pobreza.
Em visita à Bolívia nesta terça-feira, Lula levou os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Simone Tebet (Planejamento), para tratar de investimentos na prospecção de gás e para a construção de corredores rodoviários e hidroviários. Ele disse que o Brasil poderia "fazer com que a Petrobras possa prospectar gás para melhorar a situação da Bolívia".
Com informação da AFP
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