O estado do Amazonas é um dos territórios-chave em meio à nova corrida mundial por terras raras, apontam documentos do governo estadual e federal, que já monitoram o cenário. Os minérios são considerados essenciais para a “indústria do futuro”, que inclui motores elétricos, celulares, drones de defesa, radares e outras tecnologias, mas sua exploração esbarra em interesses geopolíticos e impactos socioambientais.
As terras raras não são um único minério, mas um conjunto de 17 elementos químicos que normalmente ocorrem associados entre si na natureza. O interesse pelo tema explodiu neste ano, com a pressão do presidente dos EUA, Donald Trump, para negociar o acesso a essas terras no mundo em meio ao tarifaço que também atingiu o Brasil. A China, rival dos Estados Unidos, lidera hoje a produção.
Uma nota técnica da Secretaria Executiva de Mineração do governo do Amazonas, produzida em julho, coloca o Amazonas como o segundo estado brasileiro com mais reservas de terras raras identificadas, atrás apenas de Minas Gerais.
O documento cita a mina de Pitinga, em Presidente Figueiredo, na região metropolitana de Manaus, administrada pela Mineração Taboca e adquirida pela empresa chinesa China Nonferrous Trade (CNT) em 2024. Cita também o Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Em ambos os casos, há territórios sobrepostos ou próximos a áreas protegidas.
O documento também registra que o potencial de produção de terras raras é significativo em Pitinga, pelo fato de a mina já possuir infraestrutura de exploração mineral e sequenciamento estendido até 2052. Coloca ainda como desafios a presença de minerais de urânio e tório, elementos químicos radioativos presentes na região, bem como a localização do depósito em áreas indígenas e reservas florestais.
De acordo com o secretário, um terceiro território que já teve confirmação da existência de terras raras é Apuí, no sul do Amazonas. “Uma empresa fez uma pesquisa na região e identificou a presença de terras raras. Eles já estiveram com o governo estadual e demonstraram interesse em produzir. Então, é algo muito promissor”, comenta. A empresa citada é a australiana Brazilian Critical Minerals. Alguns elementos possíveis identificados são neodímio, praseodímio, disprósio e térbio.
O Sumário Mineral 2024, produzido pela Agência Nacional de Mineração (ANM), do governo federal, cita a mina de Pitinga, em Presidente Figueiredo, como uma das principais áreas mapeadas em que há terras raras. O documento também coloca o Brasil como o quarto maior detentor dos minérios no mundo, com 11,4 milhões de toneladas, atrás de China (44 milhões), Vietnã (22 milhões) e Rússia (10 milhões). Estimativas de outras fontes citam o Brasil na segunda posição com reservas prováveis de terras raras.
Interesse mundial
A nova corrida global pelas terras raras, elementos que compõem desde peças de carros elétricos a mísseis de guerra, coloca o Amazonas no centro da cobiça pelos minérios. O estado é o 2º do país com mais reservas registradas, apontam notas técnicas.
10,8% das reservas mundiais estão no Brasil, aponta a Agência Nacional de Mineração.
Territórios tradicionais sob ameaça
Por serem essenciais a tecnologias como carros elétricos e usinas eólicas, é comum que a exploração das terras raras seja defendida como necessária para a transição energética, mas alguns críticos dizem que essa justificativa mascara interesses econômicos e militares.
“A suposta transição energética e a digitalização têm sido usadas para justificar o aumento da mineração de terras raras e outros minerais, principalmente nos países do Sul Global. Porém, essa expansão geralmente segue um modelo que agrava desigualdades, viola direitos humanos e territoriais e intensifica conflitos ambientais”, afirma Elisangela Soldateli, doutora em Ciências Sociais e coordenadora do programa Energia e Clima para América Latina da Fundação Rosa Luxemburgo.
Uma nota técnica publicada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Graz (Áustria) apontou que a exploração dos minerais necessários para a transição energética tem potencial de impactar 44% da população indígena e 26% da população quilombola que vivem em um raio de até 50 km de distância das reservas desses minerais na Amazônia Legal. As terras indígenas Yanomami (AM e RR) e Alto Rio Negro (AM) estão entre as citadas.
“É preciso romper com a lógica colonial que vê os territórios do Sul apenas como fornecedores de recursos para manter o consumo no Norte e nas elites do próprio Sul”, ressalta Elisangela à reportagem.
*Fonte: Acrítica
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